(contém spoiler)
O cinema é cheio de dramas. E não estamos falando apenas de ficção. Muitos filmes registram paixões, gafes, conflitos, rivalidades, sentimentos reprimidos e até acidentes que não estavam no roteiro, dando corpo a histórias que, sem eles, não seriam tão atraentes. Assim, seus enredos acabam extrapolando a tela, criando uma curiosidade a mais entre os espectadores.
Um exemplo é o filme Último Tango em Paris, que marcou a carreira da atriz francesa Maria Schneider, especialmente por causa de sua cena mais famosa, a da manteiga. Lançado em 1972, o filme rompia paradigmas e foi considerado escandaloso – no Brasil, ficou censurado até 1979. Maria Schneider, então com apenas vinte anos, contracenou com Marlon Brando, trinta anos mais velho do que ela.
Soube-se depois que a cena da manteiga foi uma ideia de Brando e do diretor italiano Bernardo Bertolucci, que só comunicaram a atriz pouco antes da filmagem. Ela teve um surto de revolta, mas não se recusou a filmar. Sem experiência e sentindo o peso da autoridade dos dois figurões com quem atuava, acabou cedendo. No final, chorou. Disse que se sentiu humilhada e estuprada. Também ficou decepcionada com Marlon Brando, que não a amparou – ele teria se limitado a dizer: “É só um filme, Maria”. As suas lágrimas, reais, ficaram para a posteridade.
Apesar do trauma sua carreira decolou, mas o único filme que lhe rendeu elogios da crítica foi O Passageiro: Profissão Repórter, de 1975, dirigido pelo também italiano Michelangelo Antonioni e protagonizado por outro americano, o ator Jack Nicholson. Ela nunca mais apareceu em cenas de nudez.
Em 2007, Maria declarou em uma entrevista ter se arrependido de fazer Último Tango e disse que, se pudesse voltar atrás, teria construído sua carreira passo a passo. De fato, ela parece ter sido incapaz de segurar a onda de fama que veio depois. Teceu críticas a respeito de sua experiência no filme polêmico, principalmente a Bertolucci, que “manipulava todo mundo” durante as filmagens.
Maria foi internada várias vezes por causa da depressão e do vício em heroína e faleceu em fevereiro de 2011, aos 58 anos, vítima de um câncer. Depois da sua morte o diretor Bernardo Bertolucci declarou que, quando filmaram Último Tango, ela queria fazer cinema a qualquer custo, mas não tinha condições de filtrar aquilo que vivenciou: “É o que normalmente acontece quando se está dentro de uma aventura que não se compreende”. O diretor lamentou que ela tivesse ficado rancorosa e se sentido usada, mas disse que não poderiam condená-lo pelo filme. Num rasgo de humildade, admitiu que gostaria de ter lhe pedido desculpas.
Outro filme que envolveu dramas pessoais foi O Exorcista, de 1973, célebre por narrar a história da garotinha possuída pelo demônio, vivida pela atriz Linda Blair. Uma vez concluído, gerou toda sorte de comentários acerca de maldições que teriam recaído sobre os seus atores e colaboradores, incluindo mortes, mutilações, ferimentos e contratempos diversos, todos atribuídos a forças misteriosas.
Pelo menos duas desventuras ficaram registradas. Numa cena em que é empurrada longe pela filha, a atriz Ellen Burstyn sofreu uma grave lesão. Durante a filmagem da cena ela teve de usar um colete com uma corda amarrada atrás, que foi puxada com força pelo técnico ao sinal do diretor William Friedkin. O movimento deveria ser surpresa, para que o susto captado pela câmera fosse autêntico. A dor também foi.
Friedkin era conhecido pela falta de escrúpulos com os atores quando se tratava de obter resultados. Além de Ellen Burstyn, quem sentiu isso no filme foi William O’Malley, um jesuíta de verdade que interpretou o padre Dyer. Depois de filmar várias vezes uma cena de extrema-unção sem que ele mostrasse um empenho mais convincente, o diretor não teve dúvidas: deu-lhe um tapa na cara. As mãos do padre, então, começaram a tremer. Friedkin conseguiu o que queria.
Porém, sem dúvida, o legado mais ingrato do filme acabou ficando com a atriz Linda Blair, marcada para sempre como “a menina do Exorcista”, epíteto do qual nunca mais se livrou. Bonita e talentosa, ela não obteve outros papéis de relevo ao longo da carreira, sendo lembrada apenas para filmes do gênero, sem nenhuma projeção.
Dessa série sinistra de infortúnios nem o galã George Clooney escapou. Em 2005, durante as filmagens de Syriana – A Indústria do Petróleo, ele sofreu uma lesão na coluna que o deixou hospitalizado durante três semanas. Quem viu o filme não se esquece: no final de uma horripilante cena de tortura, em que ele tem as unhas das mãos arrancadas, seu torturador o espanca e acaba derrubando-o da cadeira em que ele estava amarrado, fazendo-o bater a cabeça no chão. A câmera registra tudo, mas a batida não estava no programa.
No hospital ele ficou imobilizado, sentindo dores de cabeça insuportáveis que o fizeram acreditar que teria um derrame. Naquela aflição enorme, que parecia não ter fim, pensou em suicídio. Demorou um tempão até que os médicos conseguissem assimilar o que tinha acontecido de fato no acidente – a coisa foi tão feia que Clooney chegou a perder fluido espinhal. Após uma intervenção cirúrgica, contudo, os movimentos voltaram e as dores diminuíram, porém algumas sequelas, como dores de cabeça mais leves, não desapareceram.
Syriana é um filme estranho. Sua ação corre de forma desconexa, há uma quantidade exagerada de personagens e a trama às vezes parece se perder. A intenção do diretor, supõe-se, teria sido retratar na tela o labirinto que é a própria indústria do petróleo, um meio em que ninguém – extratores, refinadores, revendedores, distribuidores e investidores – tem condição de enxergar o quadro completo e entender as intenções do outro (é por essa razão que não se consegue rastrear a origem do petróleo produzido pelo Estado Islâmico, vendido livremente no Ocidente).
Elogiado pela crítica e visto com reservas pelo público, o filme precisou apelar para algumas tragédias para poder empolgar. A tortura de Clooney é uma delas. A morte do filhinho do personagem interpretado por Matt Damon (que também atua no filme) na piscina é outra. Esta, felizmente, ficou apenas no campo da ficção.