O advogado Roberto Podval voltava do intervalo para o almoço durante o julgamento do casal Nardoni, em 2010, quando, ao entrar no Fórum de Santana, levou um chute de um manifestante. O agressor fugiu, mas os que ficaram não pouparam Podval das vaias. Para aquelas pessoas, ele não poderia defender o pai e a madrasta da menina Isabella, morta em circunstâncias para lá de suspeitas, pois a opinião pública já os havia condenado.
Incrível, mas duzentos e tantos anos depois da Revolução Francesa ainda há quem negue direitos dos mais elementares, como o da presunção de inocência e o de um julgamento isento.
Ficamos assim: o cidadão procura o advogado para defendê-lo da acusação de um crime, e o advogado, fazendo o papel do juiz, do promotor, das testemunhas e de quem mais tiver de tomar parte do processo, julga o sujeito, condena-o e, por causa disso, diz que não pode fazer a defesa. Parece que regredimos feio: no tempo da Inquisição, pelo menos havia o advogado do Diabo.
A discussão vem bem a propósito da morte de Arnaldo Malheiros Filho, um dos maiores criminalistas do Brasil, ocorrida esta semana em São Paulo. No seu caso, contudo, o foco muda um pouco. Malheiros Filho contava com uma lista invejável de clientes no currículo, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; mas também de pessoas malvistas pela opinião pública, como o banqueiro Edemar Cid Ferreira e Delúbio Soares.
Assim como havia ocorrido na ocasião do falecimento de Márcio Thomaz Bastos, outro que se notabilizou pela clientela seleta, o talento e a capacidade do profissional acabaram ofuscados pelo fato de ter ganhado dinheiro de “bandidos” e “corruptos” – algumas pessoas diziam que o nobre causídico não iria para o céu. Valeria aí o mesmo raciocínio aplicado aos acusados de homicídio: se o sujeito é corrupto, o advogado deve defendê-lo pro bono, ou seja, de graça, pois não pode aceitar dinheiro sujo de honorários.
Os que fazem esse tipo de comentário normalmente são os mesmos que acham que bandido bom é bandido morto e que a cadeia é a sepultura dos vivos, até o dia em que se veem em apuros e precisam contratar um advogado.
Diante disso, fica clara a falta de respeito às instituições e aos atores envolvidos. Em tempos delicados de questionamento das mesmas instituições, sua legitimidade e seu poder, eis mais um tema para reflexão.
2 comentários
Concordo. O direito de defesa é um dos pilares do estado democrático de direito pois, ainda que o criminoso seja réu confesso, ele tem direito à defesa para que a pena imposta pela sua condenação não ultrapasse os limites impostos pela lei. Por essa razão, não se pode admitir que um advogado que defende um réu confesso seja mal visto pela sociedade. Ele apenas cumpre o seu papel constitucional de garantir ao réu o amplo direito de defesa (artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal). Por isso é que, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal, o advogado é indispensável à administração da justiça.
Concordo plenamente, Spencer. Pena que nem toda a sociedade entenda isso. Obrigado pelo seu comentário. Espero que continue a ler os artigos. Um abraço.