Difícil acreditar, mas a ideia original era de um arquiteto: uma via elevada sobre a avenida São João, até a praça Marechal Deodoro, ajudaria a diminuir o trânsito local. O projeto foi apresentado ao então prefeito Faria Lima, mas este o recusou, pois sabia dos efeitos negativos que a iniciativa traria à região.
Não se pensou em alternativas, como uma via expressa subterrânea que poderia ser construída junto com a futura linha do metrô que passaria por ali.
Faria Lima, um prefeito muito elogiado por suas realizações no campo da estrutura viária da cidade, acabou enviando um projeto à Câmara dos Vereadores no qual reservou as áreas para a controversa obra, que poderia ser concretizada por um sucessor.
Paulo Salim Maluf tinha apenas 38 anos quando assumiu a prefeitura da cidade mais importante do país, nomeado pelo presidente Costa e Silva com o apoio de Delfim Netto. Jovem e com ambições políticas, ele sentia a necessidade de empreender algo de impacto, que marcasse a sua administração e o habilitasse para cargos mais altos. Assim, deu andamento ao projeto recusado por Faria Lima e estendeu o traçado original até o largo Padre Péricles, em Perdizes, num total de três quilômetros e meio.
Ninguém levou em conta o pesadelo que aquilo traria para os moradores dos prédios adjacentes, que ficariam a apenas cinco metros da via expressa. Nem a inevitável degradação do entorno, com a consequente desvalorização imobiliária. Os prejudicados que se lixassem.
A obra gerou discussões desde o início, mas naquela época não se podia protestar contra uma decisão do poder público sem sofrer as piores consequências possíveis, o que incluía prisão e tortura. A oposição mais sensata veio da imprensa, por meio de artigos e opiniões de especialistas quase unânimes em condenar o projeto. As pessoas mais duramente atingidas, ou seja, os moradores da região, limitaram-se a murmurar.
Durante onze meses, trabalhando a toque de caixa, os operários concluíram a obra, e em 25 de janeiro de 1971, aniversário da cidade, a população recebeu o magnífico “presente” do prefeito, o Elevado Costa e Silva, ou mais propriamente, Minhocão, um dos maiores desastres arquitetônicos de São Paulo e uma das maiores aberrações urbanas já vistas.
Ao longo dos anos seguintes, o Minhocão continuou a receber críticas incessantes, sendo a mais óbvia o barulho insano que gerava. Tanto que em 1976 ele passou a ser interditado diariamente entre meia-noite e cinco da manhã. A partir de 1989, durante a gestão de Luiza Erundina, o horário de fechamento foi estabelecido entre 21h30 e seis da manhã, e o dia todo aos domingos e feriados, o que ocorre até hoje.
Desde o início buscaram-se alternativas para o elevado, incluindo a sua demolição. Entre as experiências internacionais destaca-se o High Line, em Nova York, transformado em jardim suspenso. A obra impressiona pela beleza e pela renovação que promoveu nos bairros próximos, mas a experiência dificilmente poderia ser aplicada ao Minhocão. É que a High Line era uma via férrea há muito desativada, sem interferência no trânsito de carros. Além disso, tem uma extensão bem menor do que a do monstrengo paulistano.
Dos Estados Unidos, o exemplo mais eloquente e com mais lições a se tirar é o de Boston. O problema era a estrada estadual 93, que, assim como o Minhocão, cortava a cidade em via elevada. Ela não poderia ser simplesmente demolida, pois causaria enorme impacto ao fluxo de veículos.
Após longas discussões, em 1982 decidiu-se que a via expressa seria substituída por um túnel de 5,6 quilômetros de extensão sob a cidade, liberando o traçado original para a construção de espaços públicos integrados ao ambiente urbano. O maior entrave era o pesado custo da obra, que foi resolvido com a sua duração prolongada, de 25 anos.
O projeto ficou conhecido como “Big Dig” (grande escavação) e gerou infindáveis acusações de corrupção entre as partes envolvidas, no melhor estilo brasileiro. Os valores também impressionavam, a ponto de um deputado questionar: “Em vez de abaixar a via expressa, não ficaria mais barato elevar a cidade?”. No final, o Big Dig acabou absorvendo 22 bilhões de dólares, mas ninguém negava o sucesso da obra. A cidade recebeu praças e áreas abertas que não estavam no mapa e os imóveis em seu entorno valorizaram consideravelmente.
Quem acha que demolir o Minhocão causaria impacto no trânsito deveria conhecer a experiência de Seul e a revitalização do Cheonggyecheon. Em 1958, devido ao cheiro do esgoto que havia ali, foi construída uma cobertura de concreto sobre o riacho da capital sul-coreana. Dez anos depois fez-se uma via expressa no local, para desafogar o tráfego de veículos.
Por mais de três décadas a população se acostumou com uma parte da cidade onde não havia cor nem vida até que, em 2003, iniciou-se uma obra ousada: foram demolidas a via expressa e a cobertura de concreto, e o riacho, limpo, renasceu. Em suas margens foi construído um parque horizontal. Os espaços contíguos se renovaram e o local, assim como o High Line, virou parada obrigatória para os turistas.
É importante salientar que em todos esses casos houve intensos debates entre as autoridades e a população. Necessidades óbvias, como a criação de rotas alternativas durante as obras e meios para mitigar a queda do comércio até a sua conclusão, foram atendidas.
O Brasil viveu uma experiência bem-sucedida recente no Rio de Janeiro com a demolição do Elevado da Perimetral, na zona portuária da cidade. Paisagens naturais e urbanas foram redescobertas, as pessoas ficaram felizes e ninguém deu bola para as alterações que ocorreram no traçado viário.
Nos últimos anos, o futuro do Minhocão vem sendo discutido de forma cada vez mais ampla. Em ótimo artigo para a Folha, o jornalista Leão Serva aponta cinco razões irrefutáveis para prever que o trânsito da cidade vai melhorar sem o Elevado, o que dá argumentos para o seu fechamento ou demolição.
Há quem deseje manter o Minhocão – os usuários de veículos, em sua grande maioria –, quem gostaria de vê-lo transformado num jardim suspenso, como o High Line, e quem pretenda demoli-lo. O novo Plano Diretor da cidade, aprovado em julho de 2014, prevê as duas últimas alternativas – demolição ou transformação em parque ou jardim suspenso. É esperar para ver.