No capitalismo, os operários trabalham para o dono da fábrica; no socialismo, a fábrica pertence a toda a sociedade, que trabalha para si mesma. No primeiro sistema, a propriedade privada, incluindo terras, minas, fábricas, bancos e empresas em geral, pertence à burguesia; no segundo, a propriedade coletiva é socializada e o povo, trabalhador, é dono de tudo. O objetivo do capitalismo é o lucro da burguesia, enquanto o do socialismo é o bem-estar da sociedade. No capitalismo, as decisões são tomadas pela burguesia a partir da situação do mercado. Já no socialismo as decisões são tomadas democraticamente pela sociedade, que planifica a economia.
O esquema do parágrafo anterior não foi tirado da cartilha do MST, nem de um artigo do sítio Opera Mundi: faz parte da coleção Nova História Crítica, concebida para alunos da 5ª a 8ª séries do ensino fundamental. Entre outras pérolas, afirma que os guerrilheiros colombianos das FARC sonham com uma “nova sociedade”, mas os Estados Unidos os acusam de “terrorismo” e apoiam o governo. O autor da coleção, Mario Furley Schmidt, já vendeu mais de 10 milhões de exemplares de suas obras.
Os livros da coleção Nova História Crítica foram recomendados pelo Ministério da Educação e utilizados por mais de 20 milhões de estudantes no Brasil até 2007, quando foram rejeitados por conter propaganda ideológica. Contudo, estão longe de ser um caso isolado. Nos últimos tempos, obras aprovadas pelo MEC passaram a incluir, entre outros temas, críticas ao governo de Fernando Henrique Cardoso e elogios às gestões petistas. A tendenciosidade extravasa os livros de história e geografia para se apoderar dos materiais de português e até de educação física.
No entanto, por piores que pareçam, os livros didáticos são apenas parte de um problema muito maior: com ou sem eles, uma parcela nada desprezível dos professores toma para si a tarefa de doutrinação ideológica dos alunos. Utilizando a desculpa de “formar cidadãos”, disseminam em sala de aula a ideologia que julgam apropriada e despejam sobre os estudantes a sua visão de mundo, em referências diretas ou – o que é pior – subliminares.
A prática começou a provocar reações, ainda que tardias. Da sociedade civil vem se destacando a organização Escola sem Partido, um movimento de “estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis”, cuja iniciativa é divulgar os testemunhos de alunos vítimas dos “falsos educadores”, repetindo experiência semelhante dos Estados Unidos. A proposta mais contundente do Escola sem Partido é a obrigatoriedade de afixação do Cartaz com os Deveres do Professor – documento elaborado pela entidade – em todas as salas de aula do ensino fundamental, do ensino médio e dos cursinhos preparatórios para o vestibular.
O debate já chegou aos parlamentos. Na Câmara dos Deputados gerou um projeto de lei, de autoria do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), que tipifica o crime de assédio ideológico. Alguns estados tomaram iniciativas semelhantes. Um exemplo é Alagoas, que aprovou uma lei obrigando os professores a manter neutralidade em sala de aula e impedindo-os de doutrinar e induzir alunos em assuntos políticos, religiosos e ideológicos. A pena pode chegar à demissão.
O projeto alagoano tinha sido aprovado por unanimidade, mas foi vetado pelo governador Renan Filho. No último dia 26 de abril, os deputados estaduais derrubaram o veto e a lei foi promulgada.
É claro que, diante de toda a celeuma, há protesto dos professores. Argumentam eles que não podem ficar sujeitos a uma camisa de força e que educar é abarcar a pluralidade de ideias. Por um lado, eles têm razão, porém o que motivou os movimentos e os projetos de lei não foi o exercício dessa prerrogativa, mas a sua distorção.
O que está em jogo é a formação dos estudantes e o respeito à sua liberdade de consciência e de crença. Nesse contexto, o professor deveria respeitar a opinião de cada um, sem jamais utilizar a sua função para se valer de uma posição dominante. Críticas como a de que a doutrinação já existe por outros meios, como a televisão e os filmes, não colam, pois aí a autoridade dos pais pode ser exercida de maneira mais eficaz. Dentro da sala de aula, não.
Por mais que os mestres reclamem, parece que algo precisa ser feito para corrigir o problema, seja uma iniciativa de ordem institucional, como leis e diretrizes, ou social, resultante de um debate que envolva pais, alunos e professores. De todo modo, mesmo que se chegue a um consenso, é importante reconhecer que alguns aspectos continuarão à margem da discussão.
Em primeiro lugar, o combate ao assédio ideológico não assegura que o aluno tenha a sua própria opinião respeitada. A prevalência nesse debate é dos valores de ordem familiar e das convicções políticas e religiosas dos pais e responsáveis – é a autoridade destes o que se pretende assegurar. Com efeito, as crianças são induzidas desde cedo a seguir a religião dos pais, a adotar a tendência política dos pais, a torcer pelo time dos pais. Nenhuma lei mudará isso, e é ótimo que não o faça. Distorções nesse campo devem ser sanadas por outros meios.
Além disso, ainda que o controle da doutrinação ideológica consiga se assentar no ensino fundamental, o ensino superior não se livrará dela – e que ninguém se engane se os professores universitários adotarem uma conduta de aparente respeito pela ordem estabelecida aos seus colegas do ensino fundamental. Na universidade, a manifestação de opiniões contrárias às dos mestres continuará a encontrar resistência em momentos distintos como a correção de provas e trabalhos, a escolha de candidatos à orientação nos cursos de pós-graduação e a concessão de verbas para pesquisas. Corrigir esse tipo de anomalia é mais complicado. E bota complicado nisso.