Em geral, as pessoas acostumadas a manusear os produtos da Apple – como o iPhone e o iPad – não conhecem o processo criativo por trás deles e nem os protagonistas de cada etapa. Sempre se ouve dizer que Steve Jobs, o gênio da empresa, perseguia a excelência, mas poucos tiveram notícias a respeito das pessoas que trabalhavam com ele.
Na segunda fase de Jobs na Apple, a partir de setembro de 1997, o principal nome no campo da criação foi Jonathan Ive, um britânico que conquistou seu espaço depois de Jobs descartar, entre outras opções ilustres, Giorgetto Giugiaro, que havia projetado a Ferrari 250.
Ive se apaixonou pela Apple quando, na faculdade, utilizou um Macintosh para desenhar. Foi uma experiência inesquecível.
Ele era filho de um artesão que lecionava em Chingford, onde a família morava. Na época de Natal, seu pai costumava presenteá-lo com um dia inteiro em sua companhia na oficina da faculdade em que era professor. A única condição era que o menino desenhasse previamente o que planejava fazer.
Adulto, Ive estudou na politécnica de Newcastle e passava o tempo livre trabalhando numa consultoria de design. Depois de formado fundou a própria consultoria, a Tangerine, cujo maior feito foi conseguir um contrato com a Apple.
Em 1992, ele se mudou para Cupertino, para trabalhar no departamento de design da Apple, mas a experiência inicial não o agradou. Havia uma preocupação muito grande com os resultados e pouco apreço pelo design.
Ele estava prestes a se demitir quando, em 1997, assistiu à palestra de Steve Jobs, que estava voltando para a empresa. Depois de reassumir o controle, Jobs visitou o estúdio interno de design e, ao conversar com o funcionário britânico, descobriu que os dois comungavam dos mesmos interesses – o apreço pela sofisticação aliada à simplicidade. Ive comentava a respeito da filosofia que o norteava: “Por que acho que o simples é bom? Porque, com produtos físicos, é preciso sentir que os dominamos”.
Assim como outras pessoas ligadas a segredos industriais na Apple – hoje, provavelmente, a marca mais copiada do mundo – Ive trabalhava numa sala protegida por janelas com vidro fumê e uma porta pesada que ficava trancada. O acesso era rigorosamente controlado por dois funcionários, e ninguém, nem mesmo seus colegas de outras áreas, tinha permissão para entrar. Lá dentro, um som de jazz e tecno ajudava os designers a relaxar os nervos, enquanto as folhas das árvores, do lado de fora, projetavam imagens em constante movimento através das janelas embaçadas.
Jobs gostava de passar o tempo ali e avaliar se aquilo que a equipe estava desenvolvendo se adequava à estratégia da Apple. Ele separava os modelos de que gostava e jogava os outros fora. Ive, dando sequência ao processo criativo, pegava os itens escolhidos por Jobs e desenvolvia os conceitos. Em infindáveis reuniões com os engenheiros da empresa, ele se esforçava para livrar as máquinas de qualquer coisa que não fosse absolutamente essencial.
Como um artista dedicado e cioso de suas criações, Ive se magoava quando via Jobs ficar com o crédito de suas ideias e apresentá-las como se fossem dele. “Dói quando ele assume a autoria de um de meus designs”, lamentou. Ele também se irritava quando alguém apontava Jobs como o homem de ideias da Apple, mas reconhecia o incentivo do chefe, lembrando que, se estivesse em outra empresa, provavelmente os grandes projetos de design se perderiam no meio do processo.
Alguém poderia argumentar que Jobs falava pela Apple e que não faria sentido nomear, numa apresentação, cada um dos responsáveis por determinado trabalho. Digamos que essa seja uma justificativa razoável em situações semelhantes, mas ela não tira a frustração do artista e do inventor de terem o crédito surrupiado tão impunemente.
Esse tipo de conflito está longe de ser inédito. Exemplo sempre lembrado é o de Nikola Tesla, cientista sérvio inventor da corrente alternada (AC, na sigla em inglês). Ele já havia sido passado para trás por Thomas Edison, com quem foi trabalhar em 1883, e viu-se obrigado a vender, por 216 mil dólares, suas patentes de doze milhões de dólares para a Westinghouse, que tinha financiado as pesquisas. Tesla, um gênio sem nenhum talento financeiro, morreu na pobreza em 1943, aos 86 anos.
Evidentemente, esse não é o caso de Ive. Após a morte de Jobs ele acumulou o cargo de vice-presidente sênior da Apple. Também recebeu o título de comendador do Império Britânico e passou a ser chamado de Sir. Foi, portanto, premiado com dinheiro, reconhecimento profissional e prestígio.
Tesla até foi indicado para receber a medalha Edison do American Institute of Electrical Engineers, mas recusou a honraria sem esconder seu ressentimento: “Os senhores estão propondo me homenagear com uma medalha que vou prender no casaco e ficar exibindo para o seu instituto durante uma simples hora. Vão decorar o meu corpo e continuar deixando morrer à mingua, por falta de reconhecimento, a minha mente e seus produtos criativos que forneceram a base principal para a existência do instituto”.
Estas sábias palavras refletem um eterno conflito entre os criadores de utilidades, seus financiadores e aqueles que terão os privilégios de comercialização dos produtos. Um problema de difícil solução.
As empresas deveriam criar um sistema que não despojasse os titulares de invenções, garantindo-lhes alguma forma de compensação, como uma participação nos lucros conversível em ações. Sempre que possível, seria interessante que anunciassem ao público os nomes dos geniais criadores. Afinal de contas, às vezes, uma massagem no ego vai muito bem.