A história foi contada a Fernando Sabino, que a divulgou tempos depois. Logo após o golpe de 1964, Juscelino Kubitschek começou a ser perseguido pelo regime militar e acabou cassado. Mesmo assim, as perseguições não cessaram. Havia temores de que ele reunisse a seu favor a parcela da população que lhe era favorável e criasse resistência significativa contra o regime.
Um dos meios para intimidá-lo eram os inquéritos policiais militares – os temíveis IPMs. Diariamente ele era submetido a cansativos e humilhantes interrogatórios no Ministério da Guerra, cuja única finalidade era minar o seu moral. O pior é que os militares estavam conseguindo: nenhuma violência física foi perpetrada contra ele, mas sua gana e seu entusiasmo, aos poucos, foram corroídos por dentro.
Certo dia, enquanto enfrentava essa situação, Juscelino recebeu um misterioso telefonema. O sujeito não se identificou e disse que tinha algo muito importante a lhe revelar, mas que só podia fazê-lo pessoalmente e naquele mesmo dia, nem um minuto depois. Além disso, Juscelino deveria ir sozinho ao local, um apartamento na rua Leopoldo Miguez, em Copacabana, e entrar pelos fundos. Após passar o endereço, o homem desligou.
Ele estava remoendo os termos da mensagem, perguntando se seria uma armadilha ou uma tábua de salvação, quando recebeu a visita de um conterrâneo ilustre. Era nada menos que Francisco Negrão de Lima, então governador do estado da Guanabara. Ele sabia do calvário enfrentado pelo colega e resolveu lhe dar o merecido apoio.
Juscelino então contou a respeito do telefonema. Negrão de Lima, na mais genuína tradição mineira, aconselhou o amigo a não ir em frente, pois aquilo não cheirava bem. Mas Juscelino continuava intrigado.
Depois que o visitante foi embora ele resolveu ir ao endereço mencionado, que lhe pareceu apenas um simples apartamento. Sozinho, seguindo as instruções recebidas, entrou pelos fundos e tocou a campainha da porta de serviço. Abriu-a um homem de meia-idade, que não o convidou a entrar e ali mesmo esclareceu o motivo do chamado. Disse que era major do Exército e lhe devia um enorme favor: quando Juscelino era presidente da República, havia deferido um requerimento seu livrando-o de uma injustiça na corporação que estava comprometendo sua carreira militar. Ele achava que era hora de retribuir, mesmo sendo seu adversário político – como fez questão de frisar. Antes de fechar a porta sem maiores explicações, deu o recado: “Nós vamos prendê-lo amanhã de manhã”.
Juscelino voltou para casa e as palavras do homem cresceram na sua cabeça. Com o apoio de Negrão de Lima, decidiu viajar naquela mesma noite para a Europa. Cuidou dos procedimentos e, ao anoitecer, rumou para o aeroporto, levado por seu motorista particular.
No caminho ele previa as possíveis dificuldades a enfrentar. Em razão dos IPMs que sofria, poderia haver ordem expressa para que não embarcasse. Além disso, como estava se retirando do país sem autorização, poderia ser preso também.
Ele matutava essas hipóteses quando, de repente, o carro foi interceptado por um jipe da Aeronáutica ocupado por dois militares. Um deles desceu e mandou que o motorista os seguisse. Temendo o pior, Juscelino observou que o trajeto era exatamente o mesmo que estavam fazendo, ou seja, o do aeroporto. Até aí nenhuma novidade, pois havia uma base da Aeronáutica lá dentro.
Para sua surpresa, foram direto ao pátio onde as aeronaves estavam estacionadas, e Juscelino pôde embarcar sem maiores constrangimentos. Ele nunca soube o nome do major que lhe telefonou.