Moradores do bairro paulistano de Perdizes, no entorno da PUC, estão pagando o tributo ao demônio às sextas-feiras e nas madrugadas de sábado. Festas organizadas pelos estudantes da tradicional universidade transformaram a vida da vizinhança num inferno.
O maior problema é o barulho, puxado pelos “pancadões” – caixas de som ultrapotentes –, mas não apenas isso. Os frequentadores das festas praticamente bloqueiam a rua Ministro Godói, urinam nas calçadas e produzem uma quantidade enorme de lixo. Também já houve registros de furto e dano. Os vizinhos estão transtornados.
Na busca pela solução do problema vê-se o empurra-empurra característico desse tipo de situação. A Secretaria de Segurança lava as mãos e afirma caber à prefeitura fiscalizar o som alto em vias públicas. Já a prefeitura diz que está estudando ações para a região. É de se crer que nenhum dos integrantes da comissão responsável por tais “estudos” vive em Perdizes; caso contrário já haveria uma solução há muito tempo.
Mas, enquanto ela não vem, moradores sofrem sem dormir.
A luta contra as festas da PUC não é de hoje. Em setembro de 2014, o convite para uma delas, que seria realizada no campus de Perdizes, foi divulgado nas redes sociais fazendo apologia ao uso de drogas. A Polícia Civil foi informada e abriu inquérito contra os três estudantes organizadores do evento. Em fevereiro de 2015, a universidade proibiu as festas.
A reação veio em 17 de março, quando estudantes, vários deles encapuzados, ocuparam a reitoria da universidade. O movimento dizia que se manifestava pela melhoria da qualidade do ensino e por condições de trabalho mais favoráveis aos professores e funcionários. Porém, uma das reivindicações era exatamente o pedido de arquivamento do inquérito contra os três organizadores da festa de setembro. Tudo levava a crer que as demais postulações não passavam de cortina de fumaça para a principal.
A reitoria não caiu na arapuca: nota divulgada no dia seguinte afirmava que a ocupação era motivada pelo trabalho contra a realização das festas e o consumo de bebidas e drogas dentro do campus. Ponto.
Sem poder utilizar o prédio da universidade, os festeiros foram para a rua. E os vizinhos pagaram o pato.
Essa briga, que parece não ter fim, deixa clara a omissão das autoridades. Não há dúvidas de que a prefeitura deve intervir, mas a polícia também tem a sua parcela de responsabilidade: perturbar o sossego público é contravenção penal, o que impõe à polícia o dever de agir quando esse direito estiver sendo usurpado.
Mais que isso, a conduta dos baderneiros configura crime ambiental, perfeitamente descrito na lei (“causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana”). A pena é de reclusão, de um a quatro anos, além de multa. Os vizinhos da PUC estão sendo privados do sono, cujas consequências para a saúde são evidentes. Verificado o flagrante, a polícia só não age se não quiser. Nesse caso, porém, seus comandantes e o digníssimo secretário de Segurança incorrem em crime de responsabilidade.
Tudo parece uma palhaçada, mas no Brasil existem de fato as leis que “pegam” e as que “não pegam”. As que “pegam” são aquelas pelas quais a sociedade anseia. É o caso da lei que proibiu o fumo em lugares públicos: ninguém aguentava mais a ditadura dos fumantes. Já um exemplo patético das que “não pegam” é a que impõe o respeito à faixa de pedestres. Não apenas os motoristas, mas os maiores beneficiados pela norma, ou seja, os pedestres, não fazem questão dela: atravessam a rua onde lhes dá na telha, o que também desobriga os motoristas a parar diante das faixas. Com exceção de lugares como São Paulo, onde há multa para os infratores, ninguém está nem aí para tal norma.
No caso do barulho noturno, não há dúvidas de que os atingidos querem a aplicação da lei que lhes dá guarida. Assim, tudo leva a crer que está faltando uma vontade decisiva aí. Só falta saber de quem. Dos moradores? Das autoridades? Dada a iniciativa que os primeiros já tomaram, a resposta parece bem simples.