Durante anos ele lutou para conquistar a Presidência da República, percorrendo o país várias vezes, de ponta a ponta, numa luta que parecia não ter fim. Enquanto isso, ganhava a simpatia popular e a ferocidade dos inimigos. Mestre do populismo, criou um séquito de devotos dispostos a brigar por ele e defendê-lo do que fosse. Mesmo com várias acusações de corrupção, algumas delas objeto de ações judiciais, conseguia driblar a Justiça e jamais recebeu uma condenação definitiva. Quando caiu, foi o fim do mito.
Este foi Adhemar de Barros, inspirador do famoso lema “rouba, mas faz”, cuja cassação completa hoje cinquenta anos. Sua trajetória é o retrato de uma época que teima em voltar, em diferentes cenários, mas com a mesma essência.
Adhemar ainda hoje é lembrado por causa do roubo de um cofre que pertencera a ele, em julho de 1969, numa operação bem-sucedida levada a efeito pela VAR-Palmares, organização da qual faziam parte Dilma Rousseff e o seu então marido, Carlos Franklin de Araújo. No entanto, em termos de significado, sua vida e a carreira política extrapolam em muito a tramoia do roubo – que, inclusive, é um evento posterior à sua morte.
Nascido em Piracicaba, ele se formou em medicina e tomou contato com a política somente depois da Revolução de 1932, da qual participou como 2º tenente e, no final, como capitão-médico. Exilado na Argentina, voltou ao Brasil após a anistia geral concedida por Getúlio Vargas.
Carismático e articulado, Adhemar conseguiu se eleger deputado estadual e exerceu seu mandato até o golpe do Estado Novo, quando todas as casas legislativas foram fechadas. O que para muitos era uma violência, para ele foi um prêmio: acabou nomeado interventor de São Paulo por Getúlio, para surpresa geral. A amizade com Filinto Müller, o temido chefe de polícia de Vargas, assegurou a indicação.
A partir de então o mundo seria seu, mas as acusações de corrupção o perseguiram desde o início e, três anos depois, obrigaram Getúlio a afastá-lo do cargo. Mesmo assim, no período em que exerceu a interventoria, Adhemar demonstrou grande talento como administrador, com gosto especial pela realização de obras de vulto e a atenção voltada à ampliação dos serviços na área da saúde. Por causa disso, e também graças ao carisma, ele acabaria voltando ao poder pelo voto, em 1947, com a ajuda do partido que ajudou a fundar, o PSP, e de uma improvável aliança com os comunistas – que, no entanto, tratou de afastar do governo assim que tomou posse.
Adhemar encontrou um antagonista em Jânio Quadros, seu inimigo político até o fim da vida. Eles disputaram o governo do Estado de São Paulo em 1954 e 1962, e a Presidência da República, em 1960. Adhemar só conseguiria derrotar o rival no último pleito.
Em 1963, logo depois que assumiu o governo do estado pela terceira vez – a segunda como governador eleito –, Adhemar começou a conspirar abertamente pela derrubada de João Goulart, e foi o elemento decisivo, entre os governadores, para a consumação do golpe militar no ano seguinte.
O entusiasmo pelo movimento acabou dando lugar à decepção, e esta à ousadia. Ao se ver cada vez mais desprezado pelo regime que ajudou a implantar, Adhemar começou a agir para minar o esforço da equipe econômica do governo federal: promoveu um festival de nomeações para diversos cargos nas repartições públicas paulistas e lançou no mercado bônus rotativos com juros bem melhores que os dos títulos federais, atraindo a preferência dos investidores.
O castigo não tardou: em 6 de junho de 1966, uma segunda-feira chuvosa, foi publicado o decreto suspendendo o exercício do seu mandato.
Adhemar saiu do palácio doente e abatido – sua mudança foi embrulhada em lençóis e retirada por assessores. Exilou-se na Europa e, dia 12 de março de 1969, morreu em Paris. Sua grande frustração: nunca ter chegado à Presidência da República.